-“Estou a escrever” – Rosnou – “não vês!?”
– “Não páras com essa treta!” – Arremessou – “Para que te serve isso?” – Melindrou-o ela logo a seguir. Era mestre nesse ofício. Ele calou-se, como de costume, mas pensou e disse o que pensou, no próprio silêncio, claro. “Verdade, para que escrevo?” – Pensou. Para a fama, pode ser uma resposta. Para dizer que esteve aqui, nesta bolha-espaço-tempo, que não existe, se não neste universo, que é em si essa bolha. E ao morrer, não saberá sequer que está morto. A morte é um nada tão nada que nem saberá que morto está. Nem que a vida-bolha existe. Porque escrevo então? Para ser útil a alguém, nem que seja a um apenas. Imagina que dará alento a outro, ou outra qualquer, perdida ou perdido, achará caminho no que deixou escrito. E ficou-se nesta resposta, solidária e politicamente correta. Se a desse a um jornalista, aquando da fama, numa entrevista entre uma conferência e uma viagem para outro continente, a fama em si, ninguém a julgaria errada, decerto.
Queria ser escritor, há muito seguia esse desejo, mas não convencera ninguém, sem dotes especiais, sem os conhecimentos, que é arte difícil, como qualquer arte, persiste, de facto, insiste e não esquece de escrever, de quando em vez um pensamento, ou uma ideia, daqueles que fluem sem anúncio, escreve num resto de papel, num canto de um guardanapo, ou de um bilhete de cinema. Talvez que a resposta seja outra: a de ficar aqui, firme como rocha de mar, ou de serra, onde também as há, preparado com palavras apenas, mas preparado, para o que vem.
“E tu estás ai, ou vais fugir, ficando ai, descer os braços e lamentar que o tempo seja este?”
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