prometo que amanhã serei outro, mais isto e menos aquilo, mais assado do que cozido, no sentido oposto do que tem sido. Prometo.
Categoria: terra
e vai assim a vida mais curta do que comprida
Tudo muda e as pessoas também e quanto a coerência, o ser humano está longe disso, qualquer um, eu tu ele nós vós eles, longe, muito longe.
Se se mantivesse a palavra já seria um grande avanço.
Basta olhar para o problema ambiental ou o dos refugiados. Somos todos ambientais mas consumimos papel, plástico e libertamos CO2 como cães irritados, e podemos passear pelo mediterrâneo sem nos preocuparmos com as mortes, aliás compramos um automóvel de 1 milhão de euros só porque sim, e os que não podem bem queriam.
Queremos ser ricos mas somos pobres de alma e portanto, de palavra. Muito pobres. E quanto à coerência nem se fala, anda meio a roubar outro meio, aliás, nem é correto, andam meia-dúzia a roubar o bairro inteiro.
Dito.
Shimon Peres, Set 2016
sim, sim, criticas não lhe faltam, é mesmo assim, o que quer que faças, alguém criticará, mas este homem, pelo menos tentou a paz entre irmãos vizinhos com uma inimizade visceral que navega de gerações em gerações. O lugar dele não se ocupa. É isso que preocupa. Sei que haverá outro parecido, só espero que aconteça o milagre, Palestinos e Israelitas capazes de partilhar.
quatro mãos
Uma caixa é transportada, pouco antes de ser enterrada, são quatro os homens e quatro as mãos, um apressa-se a enterrá-la, ou melhor a enterrá-lo, o corpo, é um dos genros mais aziagos que nunca suportou o sogro, o outro não sabe ao que vai, é aguenta-te, é pau para toda a obra, sempre tudo ok, onde quer que esteja. O terceiro é neto e leva o corpo com o coração. Debatendo-se com o genro apressado, empurra e puxa para lá -“Vai lá com calma, o corpo já está frio”- A outra é uma mão impossível, não está lá. Vai substituída por uma estrangeira, havia de estar a do filho, ficou para trás, muito antes da morte deste pai, que vai agora a enterrar. Sem afecto, foi criado por este pai austero, de poucas palavras que nunca perguntou ao filho “como estás?”. Foi sempre, faz isto! Faz isto! Faz aquilo! São quatro as mãos e é um pai só, calado sempre, sorriso nunca, austero como sabia que a vida é, um inferno e uma ilusão, sempre.
solitário
quando já não se consegue mudar o mundo, quando ele se perdeu nas notícias, nas cidades, nessa agitação sem caminho, o mar é um lugar possível e as pessoas que o bordejam, e as que o navegam. Dizem, “muita gente junta não se salva”, e é verdade. Com ou sem razão, que importa. O que fica, sem ficar nada, é a tua alegria, a tolerância e o respeito pelo outro. O resto é conversa estúpida e ganância desenfreada.
longe ou depressa?
dá no mesmo
E se o dilúvio viesse ai e a arca de Noé fosse a Europa? O que faria a Europa, colocava um par de cada raça? Um par de cada país? Um par de cada cor? Ou guardava a maior quantidade possível?
O que quererás que os outros povos te façam quando, volvidos 50 anos ou mais, e a crise sossegar do lado de lá do Mediterrâneo, e seres tu, Europa, a precisar de ajuda?
O que vais fazer agora, Europa?
morte
Parei e perguntei a direção. Eram dois jovens, setenta anos mais coisa menos coisa. Amigos de infância, à sombra, resguardados do Sol que já ia alto. Conversámos um bom bocado. Disto e daquilo e do comboio que já não passa faz muito tempo. Um dizia que muito bem , era barulho a mais, e para que parava homem se ninguém seguia, o outro, viu como isto fica triste, sem movimento, ninguém, vai tudo embora, até o comboio vai para mais de 30 anos, se não for quarenta diz o outro, isso já não apita desde 1975 rapaz. Tá a ver. Há muito tempo. O sacana do tempo passa depressa e não volta atrás. No intervalo da conversa, olhei para o beiral, bem alto, o resto de telhado envelhecido e suplicante que lhes fazia sombra e fiquei preocupado. As telhas faziam equilíbrio. Ouvi-os mais um pouco e logo que pude desviei o tema: “Não têm medo que o telhado vos caia em cima?” – perguntei. “Você faz essa pergunta porque ainda é novo, ainda tem medo de morrer, nós já não… com a idade perdemos o medo.” Não consegui responder a tanta certeza, nem regatear, a conversa, a franqueza, a gentileza e o sorriso não se podem pagar.
horizontal
estava a pensar que não nos safamos ao confronto. Que não é possível não guerrear. Que não é possível dizer não com todos os contornos. Não é possível.
E a guerra há. Há.
Melhor será que não. Que não haja. Que não há guerra. Mas há. Todos os dias.
E conto pensar todos os dias que prefiro confrontar-me com o outro cedendo e argumentando, perdendo e ganhando, até estar num sítio que não é o que queria nem o que o outro desejava, mas o que os dois conseguiram.
E isso é o que eu queria de um governo. Que fosse capaz disso. Mas não é e pronto. Quem está lá, segue agendas que disparam de todos os lados, e por vezes do lado do conjunto dos cidadãos, a maior parte das vezes do lado de quem quer mais, de uma ganância sem fundo.
E fica-se aqui sem querer esperar. Escrevendo ou não, sai-se do sofá para dizer que o melhor para todos é essa governação horizontal com uma hierarquia mais suave do que a que vemos agora. Suaviza-se a corrupção. Tornam-se as decisões mais nossas, menos de um só, da responsabilidade de um só.
isolado
ficas isolado. com tudo para dizer e ninguém para ouvir. há medida que a idade repassa, nem os amigos estão.
Franz E., Terra 2013, https://franzeterra.wordpress.com/2014/12/20/182/