tens tempo? Olha para a minha cara, estou a chorar?
Não, disse ele
Mas estou! Não parece, mas choro. Há 20 anos. E não tenho com quem partilhar esta miséria.
Nem tu nem ninguém. Ou pensas que há por ai amigos…
Perdi-os.
Aos que achava amigos, três ou quatro, e acho que eram amigos, foram desaparecendo. Ter uma amigo é um trabalho do caraças. Dá dor de cabeça. Consome tempo. Os amigos de infância não falo com nenhum vai para mais de cinco anos. Alguns há mais de dez. Aos de agora, vou telefonando a um ou dois. Mas não tenho a coragem de lhes contar estas coisas. Falo das dificuldades mas não das intimidades. É talvez o pior na idade adulta, não termos com quem desabafar. É por isso que os padres têm freguesia. Vivemos ao lado de quem sofre e não lhes perguntamos. E eles, nem nós, não respondemos. Por medo. Acho. Mesmo que seja um familiar.
Eu também queria um amigo a quem pudesse dizer intimidades. Quem sabe o que faria com essa informação. O que me disseste agora morre aqui, Está descansado,
Volta e meia somos mordidos pelo passado, ou mesmo inundados, até com lama que arrasta tudo, desorganizada, estraga, parte. Reconstruimos. Bem certo. Mas com os mesmo tijolos, a mesma madeira, a mesma porta e a janela de ontem. Ficamos os mesmos.
Já vi muita gente açoitada a sério. Em documentários e entrevistas. E assim, pessoas que de um momento para o outro a vida delas parece não ter futuro. Acontece um acidente. E dali em diante, ou superam o desafio, ou mesmo com dificuldades começam outras vidas.