Já tinha acordado fazia tempo e os afazeres matinais tinham seguido como habitualmente. A vida não tinha segredos nem espantava. Só nunca vira um porco a andar de bicicleta, um homicidio ou um extra-terrestre. Se a seguir ao almoço passava quase sempre para comprar notícias que acompanhassem o café, pensava sempre que é melhor esta rotina sem sabor do que a miséria que se ouvia e via nas notícias ou nas conversas de circunstância.

– Olá Sr. Manuel… Boa tarde, o costume –

-Um bom dia para si Sr. Vergílio, aqui tem… isto é que vai um tempo, já viu –

-Abafado… nada como nos nossos tempos de criança… aquilo era tudo certinho. Havia o Verão, o Inverno e todas as est

O Sr. Vergílio morreu mesmo ali, ouviu-se o corpo cair seco e todos os que passavam a chamar o INEM pelo telemóvel, hoje dia 22 de dezembro de 2019; já morria sozinho há muito tempo, a família eram uns telefonemas fogazes, os amigos já não tinham idade para isso e o silêncio só não era maior porque vivia com um gato. Acompanhava-o uma depressão de abandono e de angústia pelo caminho que a sociedade seguia. As duas profundas. Não foi sempre assim. Nasceu numa família gigantesca. Com o tempo foram-se zangando, imigraram, envelheceram e morreram. Alguns deixaram um vazio emocional tão vasto que nunca soube como superar. Os avós por exemplo. O trabalho dedicado ao hospital era desgastante. Para ele agora nada disso interessa, nem mesmo o nada existe. Não há memória. Para todos nós, não lhe sentimos a falta, talvez alguém o chore, o que dúvido, irão seis pessoas ao funeral se incluirmos os que são pagos e ele terá sido um médico esforçado que gastou preocupações e noites a pé em prol dos seus pacientes. Agora já não interessa nada. Nada.

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