doente


Disse ele – “é isso. estou doente. nem falo das dores de fora. é mais as de dentro. disrupções éticas. lamentações teóricas. fodelhisses miseráveis. nadisses sem jeito nenhum. que interessa. a mim vem de dentro e descaca o ovo, fico em carne viva”

Do outro lado da secretária, via-lhe a careca seca, baloiçando à vez, daqui para ali, e o som de um lápis que escrevia, ou desenhava, ou rabiscava desinteressado. E falou -“Você tem uma doença mortal, chama-se Vida, e o sintoma é estar vivo, quer dizer, fala merda, diz baboseiras, grita injúrias, berra contra a fome com a barriga cheia, é político de sofá, defende o ambiente com as mãos no volante, é contra a guerra mas não quer refugiados no quintal, e de facto, raramente tem razão.”

Levantou-se. Viu-lhe as barbas e saiu. Mesmo sem pagar. Não disse nada. O outro ficou-se na secretária, surpreendido. Ele também tinha essa doença.

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