Contou-me e eu escrevo a impressão que me deixou. Não são as suas palavras letra a letra, são as texturas e as melodias do seu tempo próprio.
Vivo com a mesma ânsia de ser acossado por perjúrio: que desconhece que o fez por não saber que o que fizera, que construíra afinal um juramento falso: fora falso consigo e com Maria. A mulher dele também se chamava assim. Para um homem de 28 anos, casar-se pode ser um acto falso. Não porque as suas intenções sejam a de causar dor, apenas porque não lhe é possível melhor com esta tenra idade. Um juramento nas estacas do impossível, realizado em ilusão idealista não sabendo que não é possível. E não é.
Não é possível honrar a palavra dada no contexto real de uma vida de casamento. De facto, jurou iludido com a sua possível capacidade em honrar sempre. Casei-me. Costuma dizer-se, na minha terra: casou-se, matou-se! Mas fi-lo. Casei. Elas são bem capazes de iludir um homem, utilizando um ardil que nem elas sabem como o fazem. Que culpa a delas? Nenhuma, são como são. Utilizam-no e provocam no homem um tal desejo de estar com ela que as transformamos em deusas. Ficamos estúpidos. Enfeitiçados. Elas são magia, esplendorosas, ficamos reduzidos ao seu olhar e rebolamos de ciúme. Não há nada mais, nem se pensa em nada mais, ou melhor, penso que nem sequer se é capaz de pensar! À beleza delas não se escapa. É assim e sempre será assim – “garanto-lhe!”. Agora sei que fingi ser feliz, só lhe sei dos defeitos, só ouço injúrias, as guerras silenciosas, as escaramuças rebeldes, os nomes, os nomes que me chamava, socavam tão forte que ainda se balançam no cérebro, para cá e para lá, só consigo ver isso mesmo, gritos e defeitos. A princípio aguenta-se, depois deixei de poder sentir-lhe a presença, não a podia ouvir, só isso provocava dores de estômago, amplificava-se no cérebro e deixava-me estacado e molengão -“Não és um homem” – a ideia de ir para casa revoltava as minhas entranhas. Deixámos de falar. Nesta fase não nos tocávamos – “Percebe.” – não havia sexo. Desapareceu o prazer, a felicidade também. Terminou tudo pouco antes de fazer as malas. A ínfima porção de esperança num recomeço é arremessada para a timidez do recuo de uma esquina entre paredes seguras há séculos – “triste! Esta é a vida que eu tenho!” – Sinto como se estes anos fossem uma correria. Dez anos. Dez anos de um lado para o outro, há procura de equilíbrio, um qualquer, pelo menos que tivesse alguma calma. Acredite, é um lugar tão estranho esse, esgravatas e não encontras, nunca, é como agulha em palheiro, ficamos à volta da tristeza, como cão atrás do rabo, e no fim nem sabemos como começou tudo isto. Vagueava. Saia e perdia-me nas ruas e no país. Frequentei as prostitutas, sempre recebia algum valor – “O sexo é gratificante, sabia?” – mas a rotina de uma prostituta encerra-nos numa cova ainda mais funda: t não és importante, só o dinheiro que carregas. Virei-me para a bebida, descobri a dependência numa garrafa. Bem sabe a desorganização que isso provoca -”ou não!? Já foi alcoólico?” – nesta mistura ficamos alcoólicos. Agora nem posso tocar numa gota. É verdade que me recompus um pouco. No entre-meio soube que ela tinha outro. A raiva toma conta. Senti-me humilhado. Esbracejei, esmurrei, parti, atirei ao ar, mas o tempo mestre faz-nos compreender, eu era mais do que um falhado, um perdido. Dez anos à procura de uma família e dez anos podem ser agora descritos com tristeza, sofrimento, erosão e só isso, só me lembro disso.
O Fraco, 7ª parte