“hey, parra” – a voz sossegada e a expressão familiar, emergem no ruído da cidade como placas de madeira afundadas, pelo meio das pessoas, e tudo se silencia de repente, como se em pleno dia tudo se apaga-se, tudo escurecesse e ficasse o espanto. Inacreditável. Poderá ser. Vinte anos depois. Uma memória que nos fugiu das mãos começa a salpicar de imagens. Vira-se sem querer, ligeiramente arqueado, com um sorriso quase desenhado, uma ânsia breve de confirmar. Procura a direcção da voz inquieto, e sem acreditar. “Sou eu rapaz. Sou eu. Há quanto tempo? Está tudo bem?” O nervosismo toma conta de um abraço jamais pensado.
“eh eheh, há quanto tempo?” – responde ao mesmo tempo que o abraço fraterno se mantém aceso. Ficaram abraçados enquanto as lágrimas cresciam seguras ao sofrimento que tinham passado e por todos os que tombaram ao mesmo tempo. Trocaram palavras. Olhares. Sorrisos. Gargalhadas que já não sentia serem possíveis neste lugar-tempo. Continuava sisudo e ele alegre como se todo este tempo tivesse sido inútil. Trocaram contactos e largaram-se do passado inquieto. Já ninguém me chama assim. É este o último. Foi andando a magicar nas memórias que este camarada lhe recordava e ficou entre a alegria e a miséria: uma amizade não se perde com o tempo, mesmo se esse tempo for miserável, e se as recordações forem de desgraça.