Ai que vontade de ir embora, refugiar quando as mãos queimam, esconder-me quando é preciso, evitar quando não me interessa, ai que vontade. Não fora a miséria de estarmos agarrados a este rectângulo no fim da europa e o que faríamos. Custa-nos sair daqui. É o nosso barco, o nosso ninho, mesmo quando se acaba o açúcar. Mas chega à fome, caros concidadãos. Há fome por aqui. Já havia, mas agora derrama, já a sentimos por perto, nos olhares, nos gestos, nos comentários. São lamentos de quem se prepara para deixar este vento de mar e esta terra de Sol. Não é a primeira vez que nos temos que fazer ao incerto, nem será a última. Volta e meia somos comidos (por quem, já sabemos). Volta e meia arrumamos na trouxa a saudade, esconde-mo-la debaixo de um chaparro da Aldeia de Brescos, guarda-mo-la no marulhar do Rio Homem ou numa lareira de Montesinho, repousa-mo-la numa onda de Quiaios, ou no teatro da Ribeira Grande, no branco de Vila Real de Sto António ou no cheiro de Campo Maior e seguimos. São aromas de Portugal. Não os conheço a todos, mas por cada canto há mais um, há espera que se regresse. Portugal espera que se regresse, espera que lhe demos um rumo como outros o fizeram, espera que o cuidemos, desde o mar ao chão da Terra sem esquecer-lhe o vento.