– “Já viu o que fizeram ao homem?” – Repetiu outra e outra vez, enquanto me ia olhando; fiz de conta que não entendia que era comigo que queria desabafar; um forasteiro é sempre outro diferente a quem falar, alguém com paciência estival e que lhe pode dar ouvidos, corroborar o que lhe vai na alma; levantou-se mesmo e quando me apercebi, já ouvia mais alto – “Não me está ouvindo?” – Ficou o sujeito esperando; eu a olhá-lo e ele a mim, imersos num silêncio, que era eu que devia terminar – “Já viu o que fizeram os GNR, aqueles bandidos, foram a casa deste homem, e levaram-lhe a espingarda.” – Fitava-me à espera que concordasse com ele, enquanto eu procurava uma saída para este embaraço: bem vistas as coisas nem embaraço era; eu é que o via como isso – “havia de ser comigo, levavam uma porrada que não se tinham em pé!” – Mãos atrás das costas, como quem percebe muito do assunto – “Ali o Francisco José, que é polícia na Amadora, disse-me que se este homem quisesse eles levavam uma porrada, oh se levavam! Mas como deram com este, de poucos livros; sabe, a gente não sabe, não lemos, sabemos pouco, e eles fazem o que querem.” – “Mas para que quer você um arma em casa?” – perguntei eu, em tom ingénuo, sem incriminá-lo – “Para caçar?” – continuei – “Não, alguns caçam, mas a maior parte, é só por ter.. é um hábito.” – Respondeu o homem. – “Sabe, eu tenho medo de armas, as crianças, curiosas, já ouve tantos acidentes com armas, irmãos que matam irmãos.” – Acenei eu. – “Pois, mas nós temo-las bem escondidas.” – Respondeu como quem sabe do assunto, e que acidentes não são com ele. – “Um padre aqui perto, fazia colecção de armas, sabe; foi preso; armas do exército; depois vendia-a s, se calhar não tinha espaço em casa e ao mesmo tempo ganhava dinheiro com isso.” – pois, pensei eu – “Pois, tanta arma em casa pode ser um problema de segurança, ainda lhe mata o gado.” – Sorriu.