o meu livro


Marquei a apresentação do meu livro. Fi-lo com muita antecedência, até com pompa e circunstância, e nesse dia, preparado que estava o livro, estava eu preparado para apresentá-lo. Aluguei a sala. Preparei um discurso sério, mas na hora marcada, ninguém apareceu. Decidi fazer o discurso mesmo assim, com ou sem audiência. Falei o que quiz. Disse o que pensava. E quase no fim, o silêncio da sala quebrou-se, a porta entreabriu-se muito lentamente. Apareceu uma senhora e depois um balde na mão e a seguir uma vassoura. Perguntou se podia varrer. Se podia começar a limpar. Disse-lhe que não era necessário. Ninguém tinha aparecido. Perguntou-me o que estava eu ali a fazer. Apresento o meu livro. Demorei vinte anos a escrevê-lo, era a minha reflexão sobre mim. Se é assim, continue, fico a ouvir o resto. Posso? Claro que sim, concordei. Esperei que se sentasse. Ela sentou-se e eu percebi que era apenas para descansar. Era suposto estar ali, melhor seria estar sentada do que em pé. Falei o que restava no papel. E quando a olhei dormia. Fiquei para ali parado mais de dez minutos, imerso no silêncio da sala, pousado na respiração funda da senhora. Pelo menos o meu discurso serviu para que alguém descansasse do trabalho que a come. Arrumei as minhas coisas, e quando sai a senhora disse-me, o seu livro pode não valer nada agora, mas quem sabe o valor que lhe darão no futuro. De mim, daquilo que faço, amanhã está desfeito, nada fica.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s