Depois das declarações de José Saramago, não se poderia deixar de adivinhar as reacções. Ainda bem que as há. Ainda bem que o José Saramago nos põe a pensar e a reflectir sobre o que andamos todos para aqui a fazer, tão calados, tão enredados nas próprias vidinhas, à procura do que de volátil se põe num ecrã publicitário ou numa montra. E se pensamos, medo temos de o dizer se ainda por cima não agradar à maioria.
As palavras são para as usarmos. Que eu saiba, Saramago não foi mal educado com ninguém, nem a Igreja o foi aquando da resposta. São opiniões diversas que deviam andar em discussão.
Por vezes fico admirado, porque não vêm mais intelectuais a terreiro expressar opiniões. Por que temos de ouvir políticos de frases memorizadas e bandeiras ao redor, falar do que pouco sabem, discutir com convicção aquilo cujo valor e significado nem sequer consciência têm? Porque não vêm historiadores, cientistas, sociólogos, engenheiros, economistas, intelectuais, escritores, falar e defender opiniões e pontos de vista?
De facto não estamos habituados à controvérsia, à discussão, à troca de argumentos. Estamos mornos, sem sabor, num baloiço plantado à beira-mar. E quando alguém nos acorda ficamos irritados. Estávamos aqui quietinhos com os nossos botões sem nada que nos espantasse o nosso esquema mental a cheirar a mofo e vem um outro, quase espanhol, ainda por cima!, arreliar a capoeira. Tão ordenada que estava. Fátima ali, com os peregrinos de volta, as missas constantes, sem contestação e qual Lutero, vem este agora ajuizar-nos, sobretudo aos letrados cónegos, que da Bíblia sabem eles e poucos mais.
Obrigado José Saramago. Aos nossos intelectuais temos o costume de os tratar assim. Com leveza e aspereza, sobretudo se nos mudam o jardim, depois já nem com o GPS nos orientamos.
Se não podemos contestar a religião que se escolhe. Cada um é livre de decidir o que fazer, e há mil e uma religiões por esse planeta. A minha é a fé na humanidade, no ser humano, na sua capacidade de aceitar, compreender, tolerar, ajudar, cooperar… Já outra coisa se deve fazer, discutir e argumentar o que somos, o que fomos e o que queremos ser.
Este livro Caim, lê-lo-ei quando me aprouver, já que Saramago é dos poucos autores que leio, releio e volto a ler. Não me interessa se tem ou não religião, se tem esta ou aquela fé. Tal como Eduardo Lourenço ou Jorge de Sena, são homens de coragem para erguerem a voz e dizer o que pensam com as palavras que são suas. Tomara eu ter essa coragem!
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